Nestes apontamentos abordo diferentes níveis de leitura que encontro no projecto “Império” e contextualizo algumas imagens relacionando-as com trabalhos anteriormente realizados. Ao longo de uma visita à exposição é evocado o espaço real da Cidade e o indefinido Universo da Arte. Percursos, escala, capacidade de afirmação, repetição histórica são temas do meu interesse que se cruzam constantemente. É nas grandes cidades que a Arte está mais próxima de pertencer à realidade do dia-a-dia. Nas capitais dos Impérios a Arte afirma-se e desenvolve-se próxima do poder económico e politico, transforma-se, é objecto de estudo e faz-se História.

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No corredor do edifício da companhia de seguros Mundial Confiança, no Largo do Chiado em Lisboa encontra-se um amontoado de objectos que apresentam uma condição temporária. São tábuas pintadas, chapas, sinais de trânsito falsos, arame, tijolos e outros objectos encontrados. O espaço é violentado pela presença destes objectos que celebram a transitoriedade dos Impérios.

Império é também o nome de uma companhia de seguros concorrente no mercado e “Empire”, em inglês, é o título de um filme de Andy Warhol. O filme de 1964, com oito horas de duração é uma celebração da arquitectura, da verticalidade e do poder do capital. Empire State Building é visto como uma estrela e como um símbolo da metrópole que governa culturalmente e espelha o poder económico da Potência.


 
Vídeo | Video: Andy Warhol "Empire", 1964. (Youtube's excerto | excerpt
 
Na exposição apresento dois vídeos:
O vídeo “Império” que dá título à exposição é também representativo de uma condição. Num plano fixo, o edifício Porto Trade Center destaca-se pelo seu volume de toda a paisagem envolvente. Transforma-se no único elemento da imagem. A concorrer com esta verticalidade, para além da linha do horizonte, encontram-se duas gruas com movimentos colineares que comparo a uma coreografia de Trisha Brown. Quando a grua da esquerda sai do plano, entra à direita uma segunda grua. As imagens foram recolhidas no final de um dia de Inverno e não houve qualquer manipulação da imagem. Esta recolha integra um trabalho, em processo, sobre o nascer e por de sol no solstício de Verão e Inverno - o dia mais longo e mais curto do ano.

RIP, o segundo vídeo, afirma um contraste com Império.
As cores quentes e a escala massiva da arquitectura são substituídas pelas cores frias de imagem nocturna e pela presença humana.
O casal de namorados à distância fica irreconhecível. A acção é mínima e tal como em Império há micro movimentos que parecem conquistar protagonismo sobre o elemento principal. Um papel ou plástico brilhante voa em círculos no canto inferior esquerdo da imagem e transforma-se em elemento de distracção. São imagens que parecem repetir-se na história das imagens: de David e Golias a American Beauty. Há tensão na imagem. O plano mantém-se fixo ao longo de oito minutos e há apenas uma abertura de campo quando o casal decide abandonar o local. Este novo plano revela o contexto arquitectónico onde o casal se encontra e numa parede a inscrição RIP. O graffiti RIP havia já sido apropriado para a exposição Vidália na Galeria Quadrado Azul, em Setembro de 2006.

As imagens dos dois vídeos foram recolhidas a partir de minha casa: Império a poente, RIP a nascente e são um olhar sobre a adolescência e o crescimento das cidades.
Toda a cidade tem a necessidade de se experimentar e de afirmar o seu crescimento. Esta cidade tem mais de mil anos mas por vezes tem comportamentos de adolescente inconsequente, preguiçoso e que se faz passar por adulto. A verticalidade das grandes capitais é imitada mesmo em locais onde esta não se justifica. Este “Império”, à nossa escala, surge de imediato desadequado, obsoleto e em falência.


Estes dois vídeos são apresentados a partir de um passadiço que atravessa a sala. A construção em madeira e chapa de zinco replica construções semelhantes que se encontram no exterior. Transformo a sala de exposições em lugar de passagem e não lugar de estar. Entre a ironia e a afirmação política, a sala de exposição perde o seu carácter central e transforma-se em continuação da rua e do corredor. Passa a fazer parte de um percurso até ao jardim do edifício. O público e as imagens ficam sempre nas margens do espaço. O centro esvazia-se. Tudo se passa na periferia. Uma linha amarela ondulada e pontos negros mostram a possibilidade de um outro percurso ao visitante.

Portugal é periférico. O Porto é periferia. Os Açores são ultraperiféricos.
Esta minha relação com a periferia não é só geográfica. É também na periferia da actividade criativa que encontro referências. Nos lugares, objectos e acções onde esta não espera ser valorizada. O modo como a composição de uma cidade resulta da acumulação, sobreposição e justaposição de acasos e rigor e da soma de diferentes partes é o ponto de partida para o projecto. As pequenas construções improvisadas que na cidade reservam ilegalmente lugares de estacionamento e as listas brancas e vermelhas que se espalham pela cidade sinalizando obras e objectos estranhos cruzam-se no meu imaginário com a tradição da escultura ou referências da arte contemporânea. Não consigo ver listas vermelhas e brancas sem pensar em Daniel Buren, pinturas geométricas em carrinhas que se transformam em imagens de Ellsworth Kelly, construções improvisadas que me lembram que toda a escultura define um lugar: afirma-o e transforma-o em centro mesmo que se trate de uma peça de canto (corner piece).

Esta exposição é resultado de percursos na cidade -do Largo do Rato ao Chiado, da Lapa à Praça Carlos Alberto - e do encontro de objectos e obstáculos carregados de valor plástico involuntário. A importância do “percurso” no processo contamina acentuadamente a exposição. O público entra no edifício, avança no corredor, contorna uma sala, passa ao jardim e confronta-se com a cidade, regressa ao corredor, entra numa segunda sala, contorna uma escultura, passa a uma terceira sala. O percurso não é necessariamente este mas é assim que eu penso e apresento ao falar da exposição. Foi uma solução encontrada para contornar as dificuldades do espaço: duas salas brancas separadas por um corredor onde se confrontam diferentes tipos de arquitectura. A possibilidade de circular entre rua, atelier e espaço de exposição também pertence a qualquer um dos objectos apresentados. É este o percurso normal de um projecto ou ideia.

À segunda sala chamo “espaço de exposição”. Aí apresento uma diversidade de obras que recorre à fotografia, à escultura e a diferentes géneros de desenho e pintura.
São obras que reflectem o espaço urbano e lembram-nos a precariedade e o ritmo repetitivo através de diferentes construções em equilíbrio e composições pictóricas a partir do jogo de computador Sim City que se confundem com pinturas tardiamente modernistas. Também de uma forma muito literal são apresentados medos e o stress contemporâneo.
Trata-se de uma exposição individual que aparenta uma fragmentação da identidade do autor e do valor dos objectos enquanto obras de arte. Pinturas na parede convivem com baldes de pedras e garrafas de cerveja, no meio de paus encostados à parede encontra-se uma obra de João Marçal, outro artista. Objectos apropriados confundem-se com objectos realizados no atelier. Uma peça de canto confunde-se com uma barreira que num museu guarda distância entre obras e visitantes. Uma escultura de composição radial afirma-se como centro e obstáculo obrigando a um percurso à sua volta. Esta diversidade apresenta-se como um jogo com o “imaginário da Arte” e suas formas de expor. Surgem então questões como: De que forma pode a Arte representar-se a si própria? Haverá alguma obra de arte capaz de o fazer? O retrato de um artista ou a fachada de um museu? Estará a Arte a fazer-se usar de estratégias formais e conceptuais para afirmar continuamente o seu valor?

O acesso à terceira sala é feito a partir do segunda sala. A entrada foi aberta na arquitectura existente com violência e a sua abertura desenha uma curva que se aproxima mais de uma caverna do que uma porta de gente civilizada. No interior encontram-se obras na parede, no chão e numa mesa. Repetem-se imagens (a fotografia da caveira), criam-se associações com outras obras expostas (um espelho partido, um “X” numa pintura), outros projectos (tábuas pintadas, “N de Norte”) e outros autores (um desenho de uma caveira de Mauro Cerqueira). Encontram-se pinturas inacabadas e objectos que aparentam ter função prática –um móvel vazio; uma mesa de trabalho; ao canto, lâmpadas fluorescentes fundidas.
Pirilampo mágico, skate-sarcófago, janela verde, patinho feio, eclipse, gráfico “erro por série”, lâmpadas fundidas, teia e bússola, espelho partido, caixa de espelhos, tábuas de skate, fotocópia negra, são algumas das peças no atelier.
Qualquer um destes objectos poderia estar na sala maior, a sala de exposição. Cria-se uma ambiguidade quanto ao valor destas obras que estão em exposição mas num espaço que se identifica com o atelier – o lugar romântico da obra inacabada. Esta é uma exposição possível. A diversidade de possibilidades não significa insegurança ou falta de certezas. Quero com esta exposição evocar outras. O valor e lugar de cada peça e de cada ideia é relativo e pode ser repensado a todo momento. A mesma imagem pode ser vista várias vezes na exposição.

O “dejá vú” acontece a todo o momento. À escala do Mundo e do Tempo cada dia é a repetição do anterior e se só existissem duas gruas na cidade, estas seriam ponteiros de um grande relógio.


AS. IX.2007


Fotografia | Photography: Blues Photography Studio, 2007.









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